A paixão das mulheres pelos sapatos
Pesquisa mostra ela não se importam com preço, compram por impulso, não são fiéis às marcas e, muitas vezes, escondem a paixão dos maridos
Ela tenta não olhar, mas não consegue. Força de vontade para desviar o caminho, evitar entrar na loja e comprar mais um par também lhe falta. É difícil admitir, mas ela sabe que a paixão quase ultrapassa todos os limites. “É uma doença mesmo.” A constatação é da professora Rossana Cavassini de Mattos, 54 anos. Rossana, assim como milhares de outras mulheres, é louca por sapatos. O formato, a cor, o material, a novidade. Qualquer coisa relacionada a esse acessório faz ela perder a cabeça e embarcar em mais uma compra na busca do sapato ideal.
A boa notícia é que Rossana não está sozinha. A relação das mulheres com os sapatos é irracional mesmo e elas gostam da peça simplesmente por gostar. Não há motivo ou explicação lógica, mas o sapato é um componente do visual tão importante quanto a roupa. Os sapatos de salto, especialmente, têm uma dimensão simbólica de poder, elegância e sensualidade para a mulher.
— O salto impõe, marca presença, emagrece, dá poder, melhora a postura, deixa elegante, é feminino, é chique, muda o visual — afirmam as entrevistadas na mais recente pesquisa feita no Brasil, que tenta explicar esta relação feminina com calçados.
As brasileiras têm, em média, o mínimo de 15 e o máximo de 110 pares de sapato. Um closet ou sapateira dignos de uma centopeia fazem parte dos sonhos dessas mulheres, que preferem escolher os modelos pela vitrina mesmo: é o que 68% delas reponderam no estudo “A mulher e os sapatos”, feito com 400 mulheres, das classes A, B e C, de 18 a 40 anos, em São Paulo, encabeçado pela Giacometti Comunicação. Para 44% das entrevistadas, na hora de qualquer compra o bom mesmo é levar um belo par de calçado para casa.
Mas qual é o motivo que faz as mulheres amarem sapatos? A resposta de 45% das entrevistadas foi clara: “Porque amo sapatos”. É, como já foi dito, não há mesmo uma lógica nesse amor desenfreado.
Na análise, as mulheres de diferentes idades e classes sociais revelaram hábitos parecidos, como não comprar pela internet porque preferem provar o modelo; e a baixa fidelidade a uma marca específica porque gostam de variar e escolhem pelo design do calçado, sem se preocupar com conforto ou marca – nenhuma das entrevistadas tinha mais de três pares da mesma marca. E aquela velha mania de combinar sapato com bolsa está mesmo saindo de moda por decisão das próprias consumidoras, aponta a pesquisa: para 66% das mulheres, os sapatos devem combinar com a roupa; apenas 14% delas acreditam que os sapatos ainda devem ser combinados com a bolsa.
Outro item identificado na pesquisa é que as mulheres costumam esconder dos maridos os calçados novos. Nas lojas, isso é comprovado pelo pedido de levar a aquisição em uma bolsa e não mais nas caixas. Rossana sabe bem o que é isso e tem uma técnica toda especial para que o marido não a veja chegando em casa com mais uma sacola cheia de sapatos. Só que isso ela não revela para ninguém.
Elas preferem o salto altoA mente por trás do desenho O sapato, essa peça tão fascinante para as mulheres, não aparece do nada. Muito antes de um par chegar ao mercado, ele passa por uma série de processos. Nas maiores indústrias do ramo, é um designer de calçados o responsável por pensar o formato que o sapato deve ter e todas as implicações do produto, como conforto, estética, tendência etc.
Para a professora universitária e designer de calçados, Taísa Kalinowski Anselmo, pesquisas de mercado, tendências internacionais, concorrência e parte autoral são determinantes na criação de um novo sapato.
— Muita coisa é levada em consideração, mas a parte autoral, o que o designer desenvolve e pensa, é o ponto fundamental da criação — conta ela, que, além de criar peças para a indústria calçadista, leciona sobre o assunto.
Taísa caiu nessa profissão depois de se formar em design de produto e se perguntar o que queria fazer em uma profissão que dá múltiplas possibilidades. Foi com a sugestão de uma amiga, aliada a sua paixão por sapatos, que ela escolheu não só comprar as peças, mas também desenhá-las.
— Levo muito em conta uma junção da estética com o conforto. Acredito que, mesmo as mulheres fazendo loucuras para ter e usar um sapato, elas pensam no conforto, sim. Nada melhor do que um sapato bonito e que calce bem — diz ela, que tem uma grande coleção de sapatos e conta, ainda, com a desculpa de sempre comprar um novo par para fins de pesquisa.
— É claro que uso essa desculpa. Até porque tudo nos influencia e nos ajuda a criar uma nova peça. Além do mais, preciso conhecer o mercado — revela.
Para Taísa, as marcas de maior sucesso são as que mais se preocupam com a consumidora.
— São empresas que têm esse olhar para a consumidora, que pensam o que a mulher vai querer. É muito importante se preocupar com o público e tentar enxergar qual é o desejo dele.
Fixação que às vezes preocupa A professora Rossana Cavassini de Mattos, 54 anos, às vezes se incomoda com sua paixão por sapatos. É que ela gosta muito do acessório e precisa se controlar para não comprar demais.
— Sou muito apegada também e acho difícil me desfazer. Hoje, devo ter mais de 150 pares, mas já tive muito mais. Na última semana, para diminuir minha culpa, cheguei a dar 12 pares — conta.
Ela nem sabe dizer quando começou a gostar tanto de sapatos e lembra que a mãe já gostava muito e combinava os calçados com lenços, luvas e chapéus.
— Acho que sempre gostei e não sei se isso é da pessoa mesmo, se nasceu comigo, ou se foi influência por ver minha mãe sempre preocupada com sapatos — revela.
O pé número 35 não é muito comum e por isso Rossana não tem ninguém na família para dividir a preferência.
— Sou a única mulher lá de casa e minha nora calça 37. Depois, eu tenho tanto apego aos sapatos que acho que não conseguiria divi-di-los no dia a dia.
Rossana tenta se controlar, mas já chegou a comprar quatro pares em um único dia.
— Não me importo muito com preço, mas tento não passar da média dos R$ 300. Também não sou muito fiel a uma marca, procuro pelo calçado que me agrade assim que eu bater os olhos, sabe?
Quase um par para cada dia do ano Não são 365 pares, mas 302. É quase um sapato por dia que a assessora parlamentar Gesiane Campos, 39 anos, tem à disposição na casa dela, em um quarto recheado de calçados. A paixão começou cedo e teve incentivo dentro de casa.
— Minha tia sempre gostou e quando ela recebia o salário, e eu já era adolescente, ela me pedia para comprar sapato para ela ou me dava dinheiro para comprar para mim — conta ela. Foi assim que começou uma grande paixão.
O tempo passa e o amor de Gesiane pelos calçados só aumenta. Mas ela garante que é uma paixão controlada.
— Costumo comprar à vista e não faço dívidas para ter um sapato novo. Todo mês, reservo um dinheiro para comprar coisas só para mim e nisso incluo a verba dos sapatos — diz ela, que é apaixonada por saltos e valoriza os modelos mais extravagantes.
— Para mim, sapato tem que aparecer mesmo. Não gosto de nada básico; quanto mais diferente, melhor.
Ela está tão acostumada, que se sente mais confortável com saltos do que com sapatos baixos. Tênis, ela só tem um par para a academia.
— Concentro-me nos saltos, nas cores e nos modelos inovadores. Até tenho um armário cheio de rasteirinhas e sapatilhas, mas só uso para ir ao mercado ou ficar em casa.
E Gesiane não está sozinha. A filha adolescente calça o mesmo número e aproveita para usar sapatos da mãe.
— Ela não é fissurada como eu, mas gosta. Inclusive, ela prefere saltos mais altos dos que eu compro e quando traz as amigas aqui, costumam ir no quarto dos sapatos dar uma olhadinha.
Renovados a cada temporada Jessica de Azevedo, 20 anos, trabalha na loja de acessórios da família e se considera uma aficionada por moda. Para ela, a roupa pode ser básica, mas o calçado e os acessórios devem ter destaque e definir o look.
— Sempre amei sapatos e eu gosto porque é preciso ter bom senso na hora de selecionar e seguir algumas regrinhas para não errar no visual — diz.
Na hora de escolher o sapato, ela prima pela beleza, conforto e pelas possibilidades de combinação.
— Alguns sapatos são muito difíceis de combinar e evito comprar esses. Procuro um modelo diferente, mas não extravagante, e que me dê opções de uso — revela.
Ela não é de ficar olhando etiqueta e já chegou a pagar quase R$ 600 por um par, mas garante que não passa muito disso.
— Não vou comprar um sapato muito caro para ter que ficar me preocupando o tempo todo com ele. Gosto de balada e uso muito salto à noite. Nessas horas, não quero ter de pensar que preciso cuidar de um sapato que custou mil reais, por exemplo.
Jessica já chegou a ter mais de cem pares, mas hoje procura não acumular muitos modelos. O máximo que um calçado fica com ela é por uma temporada, depois ela encontra pessoas que gostem e que vão cuidar bem do acessório e doa.
— Não gosto de ter muitas opções porque ficaria perdida para escolher. Prefiro ter menos e poder visualizar todos. Os únicos que ficam mais tempo comigo são as botas e sapatilhas e mesmo não tendo muitos pares é difícil eu repetir um calçado — diz ela.
Sapatos em números O presidente da Giacometti Comunicação e coordenador do estudo “A mulher e os sapatos”, Dennis Giacometti, explica que teve algumas surpresas com os resultados da pesquisa e destacou que uma das mais importantes ocorreu durante estudo etnográfico, no qual pesquisadores visitaram as entrevistadas em casa.
— Constatamos que em pelo menos um terço da amostra, as mulheres se manifestavam sobre os sapatos como se possuíssem uma coleção, algo valioso; e ao falarem sobre esta coleção, os olhos brilhavam.
Ele afirma que uma das comprovações surpreendentes foi esse amor que as mulheres, de todas as classes e idades, demonstraram ter pelos sapatos. Dennis acredita que esse comportamento feminino em relação aos calçados diz muito sobre a mulher moderna.
— Para a maioria delas, o sapato é um fetiche e em essência representa a possibilidade de essa ‘guerreira’, batalhadora de si própria, manifestar o seu estilo, a sua identidade — destaca, enfatizando que os sapatos guardam mais mistério que a roupa.
E não bastasse tanta influência, o sapato agrada à mulher também por oferecer melhor possibilidade de adequação. Segundo o estudo, as mulheres reclamaram que as roupas, muitas vezes, não servem, não caem bem e com os sapatos isso não acontece.
— Formatos variados e numeração diversificada calçam mais tipos diferentes de pés, basta escolher o modelo e experimentar para ver se ficou bom. Nesse contexto, a relação da mulher com os sapatos se dá de forma mais direta, mais fácil e mais "apaixonante" — revelou Giacometti.
Será que vale sofrer para ficar mais bonita? 76% das entrevistadas da pesquisa concordam total ou parcialmente com a afirmação. Para Dennis, essa é uma informação intrigante porque a mulher assume que vale a pena ficar desconfortável para parecer mais bonita.
Um dos dados mais importantes destacados pela Giacometti foi a infidelidade às marcas. As mulheres disseram não ter mais de três pares da mesma marca e justificaram dizendo que gostam de variar e que com mais marcas elas conseguem mais variedade.
— Essas informações são quase um alerta aos fabricantes e às lojas e mostram que o sucesso depende em grande parte de um entendimento mais amplo e mais profundo dos verdadeiros motivos que levam à decisão de compra — disse Dennis.
fonte: Gabriela Zimmermann
junho 2011